quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Boa noite, benção vó.


Lágrimas não conseguem rolar do meu rosto, 
Mas meus pensamentos voam... vão lá atrás... 
Eu na escolinha O Saci... Na Barra Funda
Você e minha tia...na grade
Lado a lado, me olhando, esperando.
Com um sorriso aberto.
Minha vó.

Lembro do calendário colorido metálico
1979, meu palhaço vermelho, 
Grande...na sua casa, 
Seu marido.
Brava.

Lembro da gente na casa do Tio,
Em Minas Gerais,
Da igreja evangélica.
e da nossa volta.
Rápida.

Lembro do Santa Emília,
1981, nascimento do meu irmão
A gente junto, de novo.

Lembro da minha professora particular
Do meu primeiro roubo e da minha surra
Mas lembro das roupas e dos risos...

Lembro do Mobral,
Que íamos juntas, você tentando aprender
a coisa mais simples do mundo,
Ler.
E eu na minha santa ingenuidade, acreditando
que eu podia te ensinar mais
E eu nem tinha começado a viver.

Lembro de toda minha infância,
Que apesar de sua rigidez e braveza 
foi cheia de alegrias e aprendizado

Lembro dos cadernos que me fez comer
Por que minha letra estava feia...
E do orgulho que sempre teve
A cada vitoria minha...

Lembro de você na minha formatura de oitava série,
Sentindo-se a mulher mais realizada do mundo
Como se eu estivesse me formando em medicina
Minha avó.

Vó, te vi enfrentar seus próprios preconceitos,
Para me ajudar, para me apoiar
Vi você envelhecer
Mas não te vi enfraquecer

Não te vi doente
Não te vi frágil
Não te vi fraca

Nunca.
Você nunca foi nada disso.
Você nunca esteve nada disso.

Você sempre foi generosa.
Ambiciosa
Grandiosa...

Até sua morte foi assim
Grande.

Você morreu fazendo o que queria
Quando queria
Por que queria.
Morreu na sua casa, brigando
Só de birra
Desafiando a morte
e sua sabedoria.

E você me ensinou que era assim que devíamos viver
Brigando pelo que queríamos.

A ironia está em você morrer sem a pessoa que você mais queria ao seu lado, por minha causa.
Você morreu quando eu estava doente, frágil e fraca... como você nunca foi.
E eu te roubei a companhia de uma vida toda...
No único dia que você de fato precisou dela.

Perdão vó.
Perdão por uma partida mais solitária que queria.
Perdoe-me por não conseguir chegar até você
Perdão por não ser tão forte quanto você me ensinou
Perdão.

Mas felizmente eu te disse, e você sabia
Te amo muito. Vou sentir sua falta.
Estou com saudades.

Agora, esta saudade vai ser muito maior.
E não vai passar tão fácil.

Mas aqui comigo,  no meu peito e na minha mente
Você estará sempre viva, em quem sou
E em quem serei.

Que o seu Deus te recolha em amor e em perdão.
Que a minha Deusa te guie em luz e compaixão.

Eu abençoo tua partida, mesmo sofrendo,
Por que te amo.

Boa noite e bênção vó...
É uma pena que eu não vou mais ouvir:
"Que deus te dê vergonha"... como você responderia...
Como eu queria


Maria do Carmo da Silva Câmara
* 29/7/1929 +18/11/2011

Minha vó. Foi menina, moça, mulher, esposa, amante, amiga, mãe, tia, prima, sobrinha, filha, avó, tia-avó, bisavó. Mas a mais conhecida de todas: Foi GUERREIRA.

2 comentários:

  1. Vc conseguiu tirar lágrimas de meus olhos e me fazer lembrar o meu tempo de criança, onde partilhei alguns anos junto dela. Dna Carmen sempre querida!!
    Força e que Deus conforte seu coração...


    Márcia

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  2. Circe,
    Não tinha visto ainda esta poesia...

    amo o que escreve, como escrevo...
    mas amo ainda ainda mais como percebe,
    como esquece, como lembra, como cresce!!!


    Lindo...
    que Hécate acolha a dor e dê cada dia mais vivacidade ao amor!!!

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