segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Passarinho que come pedra, sabe o cú que tem!

Adágio popular que me foi ensinado por minha avó e reforçado por minha mãe...
Desde que entrei no período de dedicação, esta frase pra mim passou a ser o sinônimo da lei de ação e reação, ou seja, da Lei Tríplice...

Analisando melhor, estes dizeres nos falam profundamente da responsabilidade pessoal.
Das escolhas que fazemos e do que recebemos por estas escolhas.

Mas, parece que o ser humano esquece que o direito que lhe assiste, também pertence ao seu igual; que o outro tem direito a fazer suas escolhas e consequências.

Devíamos ser capazes de defender ferrenhamente o direito que o outro tem de se ferrar... de errar... de aprender... de se isolar... de fazer besteira...

A sacerdotisa que me treinou pós-iniciação costumava usar uma frase muito legal, que dizia: "Posso não concordar com suas palavras, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las". Que expressa a forma que eu acho que deveríamos reagir às pessoas a nossa volta.

Não compreendo muito bem como temos a capacidade de espelhar no outro todas as nossas frustrações e sombras, mas dificilmente espelhamos algo bom. Guardamos aquilo que o carimbo de "aprovado" tem nosso conceito moral interno, somente para nós mesmos. Egoisticamente.

Então somos capazes de dividir o mal de nosso consciente, subconsciente, inconsciente... mas, o bom não...
Porque? Não sei a resposta... E divaguei no assunto, perdendo o rumo da prosa.

 Mas, voltando à responsabilidade pessoal... ontem conversava com um amigo, e do nada aflorou-se em minha memória o caso de um garoto que "amadrinhei" durante alguns anos. Este garoto, de quem eu tanto gostava e hoje sequer me lembro o nome, era morador da favela de Vila Prudente. Quando o conheci ele tinha 8 anos e vendia balas no sinal. Me apeguei ao garoto, e durante uns 4 anos, dei-lhe material escolar e vestimentas, alguns passeios, alguns dias em minha casa. Ao mudar-me de São Paulo, perdi contato com ele. A última notícia que tive, quando ele tinha 13 ou 14 anos, é que ele tinha se envolvido com o crime e com as drogas pesadas.

Eu falava sobre escolhas... Falava que todos nós escolhemos o que atraímos e as consequencias que  recebemos. Porém, também acredito que somos produto da crença do meio em que vivemos. Que o meio nos molda, nos afirma. Que o meio pode dizer e reafirmar que sou um rato, e eu,  sem influencia de outro meio ambiente, acreditarei que sou. No meio em que o garoto vivia, era correto roubar, drogar-se e ter raiva de quem quer que fosse que tivesse alguns centavos a mais que ele mesmo. No meio em que o garoto cresceu, ser rico era ofensivo. Ser trabalhador humilhante e ser bandido era ser nobre. Como um cão, o indivíduo segue os parâmetros de sua familia e da sociedade mais próxima. Como eu, você ou qualquer outra pessoa podemos cobrar deste garoto os padrões morais que usamos? Os valores deste e de muitos outros garotos foram deturpados pelo meio em que viviam. O Certo, continua sendo certo e o Errado continua sendo errado, mas o Certo, lá na favela de Vila Prudente é roubar pra viver e o Errado é ter que se humilhar diariamente, sujeitando-se à vontade de algum estranho, em troca de alguns míseros trocados ao final do mês.

Então pergunto: Que escolha teve este e tantos outros garotos? Tornaram-se eles consequencias dos atos de outrem?  Estava ele destinado a ser um ser à margem do sistema vigente? Como ele poderia livrar-se desse destino?

A escolha que ele teria seria a mudança de ambiente... pois isso funcionou comigo, que, tanto quanto ele, cresci em um bairro-favela de São Paulo, que tinha os mesmos valores que o bairro em que ele cresceu, porém, minha familia possuía valores diferentes. O meu primeiro meio social, divergia do segundo... fui obrigada a fazer "julgamentos" de valores ainda muito cedo... Ainda assim,  fugi de casa entre 14 e 15 anos, fui garota de rua... mas um dos meus valores era "o trabalho dignifica o homem" e complementando: "nunca diga não ao trabalho, senão o dinheiro não fala mais com voce!"  (todos ditados/valores ensinados por minha avó... Então eu me "descontaminei" do meio conflitante, e pude viver os  meus 150 anos restantes, da forma que optei...

Mas e o menino, teve opção?

Então, será que passarinho que come pedra, sabe realmente o cú que tem?
E quando o passarinho não sabe que está comendo pedra?
E quando o passarinho não sabe que tem cú?
E quando o passarinho não sabe cantar?
E quando o passarinho não sabe voar?
E se ele não sabe sequer que é passarinho?

Onde fica a escolha?

Se eu acreditar no dito, sempre e cegamente, não verei as circunstancias que levaram o individuo à uma situação de solidão, tristeza, abandono, ou de muito amor por si mesmo.
Se eu acreditar, eu me distancio do problema do outro, e não tento ajudá-lo... não interfiro...

Então, se eu não ajudá-lo, não me relacionei com ele, se não me relacionei, não sou mais humano...
Ainda penso...

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